Só Deus cria do nada

...e sobre a academia do design.

António da Cruz Rodrigues

Nunca escrevi nada sobre criatividade e confesso que não sei porquê! Talvez porque falar de criatividade é moda em quase todas as áreas pressupostamente criativas, Fala-se e aconselha-se criatividade na arquitetura, no design, na arte, na engenharia, ....e nas outras. Ainda não lhe apanhei o jeito! Mas aqui vão algumas reflexões que resultam da minha atividade como criativo, julgo eu, no âmbito do design, como designer e académico.

Desde logo a ideia que criatividade resulta da maior ou menor capacidade de relacionar e refletir sobre elementos que em aparência não estão em conexão entre eles, em que a inteligência e a casualidade se juntam e se transformam em novas ideias. Neste contexto poderei até dizer que em muitas situações o "objecto" criativo resulta de alguma arbitrariedade adotada metodologicamente, conectando ao acaso elementos dispersos para produzir novos "objectos". Aumentado assim a possibilidade de criar algo sem precedência.

Sobre o acto criativo, a minha experiência leva-me a concluir que este resulta quase sempre de um processo que não nasce do nada, necessitando de um suporte cognitivo pré-existente, mais ou menos consciente. Processo criativo de cognição lógica, mas também ilógica, á espera de um resultado esperado, previsto, mas também e o mais interessante, inesperado e imprevisto.

Sobre a pessoa criativa, o criador, este não parte nunca do nada, nem que seja porque não consegue, utiliza sempre material pré-existente, sustentase em grande parte naquilo que existe, até porque ele próprio existe também. Uma questão filosófica resulta desde logo sobre o facto de ser impossível ou não, partir para um ato criativo sem condições de partida?

Em resumo e sobre os precedentes argumentos, tendo em afirmar que o processo criativo resulta de um suporte cognitivo pré-existente, que viaja, que se move entre elementos ininteligíveis, mas existentes e elementos inteligíveis também existentes.

Recuperando a ideia da criação "sem precedência", com base em material pré-existente, e extrapolando para além da figura do criativo, poderei dizer que a cultura criativa de uma sociedade ou de um simples grupo de criativos, é tanto maior quanto a sua capacidade em olhar em frente, da sua intuição permanente em empurrar-se através de um pensamento divergente. A cultura criativa de uma organização resulta da apetência em juntar a fantasia e o concreto. Em saber trabalhar na incerteza e não apenas na certeza. Em resumo, em saber trabalhar para além das lógicas unívocas e dogmáticas.

A propósito e extrapolando para a academia do design, porque é aquela que conheço melhor, fica a ideia que esta tende para a automatização dos processos criativos, para a sua padronização, para o "postit", para os esquemas fechados, para a introdução da mecanização em processos e ações que deveriam ser essencialmente intelectuais,...mais fáceis de controlar pelos pares,... Resultando o desaparecimento dos intelectuais criativos, dos mestres, da criatividade, traduzida no aumento do numero de pessoas que praticamente executam apenas trabalho "físico". ...só Deus cria do nada e a academia do design não deve substituir-se a Deus.

Inspirado no livro "Il Paradosso di Icaro" de Carlo Borloni.


Fotografia topo: workshop de Iluminação na Baltic Film, Media, Arts and Communication School no âmbito do Mestrado Kino Eyes 2017


Universidade Lusófona, Campo Grande, 376, 1749 - 024 Lisboa. Gestão de conteúdos por Produção Multimédia
Direitos de autor © 2024 Cinema e Artes | Universidade Lusófona - Campus Universitário de Lisboa. Todos os direitos reservados.